Dificuldades de interpretação, riscos de comunicação e manipulação sobre análise de dados

Por Lucas Lessa

A moda há algum tempo é falar em “decisões orientadas por dados”. Isso vai além de big data, machine learning ou IA.

Dados sempre foram base para decisões mesmo antes dessas ferramentas.
Mas tomar boas decisões exige resolver uma questão complexa, onde o fator cognitivo e falho do ser humano e dados são os fatores centrais.

A qualidade dos dados é o que permite gerar informação útil e esse processo muitas vezes é repleto por vieses, limitações e julgamentos.

Esse conhecimento não vem da formação tradicional em finanças. Precisam ser aprendidos com experiência, e integrados ao nosso dia a dia.

E para enfrentar esse desafio, a área de Finanças, especialmente o FP&A, precisa incorporar domínios de conhecimento além das práticas financeiras tradicionais.

O Problema

Temos um papel central na obtenção, organização, análise, explicação e comunicação de dados. Transformando essas informações em insights confiáveis para tomada de decisão e gestão. Para isso, utilizamos conhecimentos técnicos baseados em normas e práticas aceitas como contabilidade, projeções, estatisticas, tesouraria, gestão de dados etc., somados a ferramentas tecnológicas cada vez mais avançadas. Mas… será que isso basta para evitar erros de interpretação ou até manipulações? A resposta é NÃO.

Existem outras competências que não são específicas de finanças que precisamos compreender e aplicar para evitar esses riscos.

Domínios não financeiros que devemos integrar melhor

Psicologia (habilidades interpessoais e vieses humanos), Economia, Estratégia, Ciência de Dados, probabilidades e estatísticas são áreas das quais podemos extrair aprendizados cruciais para evitar interpretações equivocadas e manipulações.

Exemplo 1 – Como nossos relatórios impactam a cultura e a gestão da empresa:

  • Lei de Goodhart: “Quando uma métrica se torna um alvo, ela deixa de ser uma boa métrica.”
  • Lei de Campbell: “Quanto mais um indicador quantitativo é usado para tomada de decisão, mais sujeito ele está a pressões de corrupção e distorções.”

Já vimos isso acontecer nos planos de incentivos, comissões de vendas ou processos de forecast.

Exemplo 2 – Qualidade da nossa produção analítica

  • Paradoxo de Simpson: Quando uma tendência aparece em subgrupos de dados, mas desaparece ou se inverte ao combinar esses grupos.

Isso ocorre com dashboards, KPIs e relatórios. Você identificou e corrigiu variáveis de confusão negligenciadas?

Inteligência competitiva e de mercado

Outro fator essencial: colocar nossos dados internos em contexto. Isso requer inteligência de negócios e de concorrência. Sem isso, os números dizem pouco — ou dizem errado.

Dados são uma matéria-prima complexa

Outras disciplinas ensinam que trabalhar com dados exige metodologia rigorosa para extrair informações relevantes e evitar erros de lógica. Já na nossa formação técnica em finanças raramente aborda esse ponto.

A interpretação dos dados exige compreensão profunda das regras que os governam. Somente registrar não basta, é preciso saber como os dados foram organizados, limpos e integrados.

Problema clássico em FP&A: com o mantra da simplificação em sistemas, dados importantes se perdem na integração de sistemas operacionais para contábeis e, depois, para BI.

Exemplos:

  • Agregação de dados de cliente, produto ou localização;
  • Incapacidade de rastrear os dados originais → erros de análise;
  • Visualizações mal estruturadas → desinformação e até manipulação.

Muitas empresas não têm analistas para consolidação de dados. Nesse cenário, o financeiro precisa assumir a liderança na gestão e qualidade dos dados, indo além do mero reporte contábil, integrando todas as variáveis relevantes do negócio para decisões mais objetivas e confiáveis.

A estrutura para clareza da análise

Na estatística, é essencial distinguir:

  • Descritivo: mostra “o que está acontecendo”;
  • Explicativo: mostra “por que está acontecendo”;
  • Univariado x Multivariado: raramente um fenômeno é explicado por apenas uma variável.

Relatórios financeiros costumam ser descritivos e univariados. Mas decisões exigem análises multivariadas e explicativas.

“Na correria” sobre a origem das coisas e qualidade dos dados, extrapolamos conclusões a partir somente do descritivo e aí começa a má interpretação.

Exemplo simples:

“A receita cresceu 3%.” — Isso é descritivo, não explica nada.

Explicativo seria:

“A receita cresceu 3%, sendo:

  • Mix de produtos: impacto negativo de 1%;
  • Quantidade por pedido caiu: -2%;
  • Menores descontos aplicados: +5,5%;
  • Novos clientes: +0,5%.”

Perceba como muda a narrativa: de “crescimento puro” para “crescimento compensado”.

Vieses psicológicos

Precisamos entender os vieses cognitivos. Não só reconhecer, mas criar formas de desafiar os dados com os quais trabalhamos.

Alguns exemplos críticos:

  • Viés de confiança excessiva: estamos superestimando a qualidade dos dados?
  • Viés de confirmação: buscamos apenas dados que reforçam nossa visão?
  • Viés de ancoragem: julgamos com base na primeira informação?
  • Viés de autoridade: aceitamos ideias sem questionar só por vir de “acima”?
  • Falsa causalidade: correlação não é causa.
  • Viés de otimismo: focamos no positivo e ignoramos o negativo?

Esses vieses distorcem o conteúdo e a forma da nossa comunicação.

Outros vieses e traços que afetam decisões:

  • Viés de escalada de comprometimento: insistir numa decisão mesmo com evidências contrárias.
  • Viés de autoengrandecimento: selecionar dados que beneficiam o indivíduo ou grupo.
  • Viés de enquadramento: a forma como se apresenta a informação afeta a percepção.
  • Indecisão: postergar decisões pedindo mais análises (paralisia analítica).

Esses fatores estão em todas as culturas corporativas. Nosso papel? Criar metodologias e ferramentas que minimizem esses efeitos.

Soft skills: você também precisa delas

Habilidades interpessoais não são exclusivas da área comercial. No contexto financeiro, são também essenciais para:

  • Analisar, interpretar e comunicar dados com assertividade;
  • Argumentar com clareza e visão;
  • Ter senso crítico, ética e boa leitura do ambiente.

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